Nunca havia imaginado em toda a minha vida que me veria dentro de uma camisa de força. Não era uma camisa, era um avental, mas era como se fosse uma camisa, tal me vi manietada, presa, sem saída, sem ar. Cheguei à Clínica por volta das três da tarde. Era um exame de densitometria óssea. Um simples exame de rotina. Estava tranquila. Já o havia feito. Não doía nada. Só ter paciência, ouvir aquela máquina passando de lá para cá e as instruções da técnica: - Dª Ligia? - Sim? -Pode passar. Adentrei uma enorme sala com uma pia e demais instrumentos que com um passar de olhos não identifiquei coisa alguma. A profissional me alcançou mecanicamente um avental branco. Quis falar: - este é muito pequeno, mas nem tempo tive. -Vista e depois deite-se na cama e me apontou um reservado minúsculo. Sorri desajeitada, meio constrangida. Parei. Olhei-a e tentei falar de novo, erguendo para ela o avental. Queria dizer-lhe. - Isto não vai entrar. -Não vai servir e a olhei nos olhos. Ela ergueu para mim uns olhos verdes, meigos, deu meia volta como se dançasse e tecnicamente disse: - não demore e retirou-se. Fiquei a ver navios. . . Afastei-o de mim e comecei a falar com os meus botões. Resignada com a sorte madrasta, disse para o avental: - entrar, acho que entra, eu quero ver-te: é sair. Apertadíssimo. Fi-lo descer corpo fora, mas ficou acima dos joelhos, nem sei... me senti, uma Derci, no tempo do charles- tone, que Deus a tenha. Com certeza, naquela hora queria imitar o verbo da Derci... Deu-me um branco, eu queria gritar e dizer impropérios, sei lá ... Imagine se puder... e sem cerimônias . Botar a boca no trombone. Mas, não tenho coragem. Não sei se sou tímida ou insegura, eu perco a vontade de falar. Se tivesse correndo uma carreira, eu era bem capaz de parar e esperar minha adversária. Fiz isso tantas vezes no colégio interna. Estava a pensar, a falar com os meus botões. Eram tantos botões e todos calados. nenhum me respondia. Senti-me desolada em pleno deserto, com sede e sem água. A técnica voltou e muito profissionalmente, segura e firme, dava-me ordens. A voz era macia. Deitei-me naquela vasta cama, o avental subira um pouco. Ela talvez, estivesse a ver um filme: pernas de fora, rebola pra lá, rebola pro outro lado, aquela voz macia e aquela máquina roncando e passando em cima de mim. Os nervos me davam reviravoltas. Eu devia ter tomado um sonífero, tamanho elefante e o ruído da máquina, fiquei ansiosa e ela falou: - mais um pouquinho e já vai terminar. Respirei aliviada. Até que enfim. Deu-se conta, creio, que eu não era de cera e nem de gelo. Eu tenho sentimentos. Não doía nada. Mas eu não sei. Sentia-me desamparada e sós. Que coisa, é essa coisa de cuidar da saúde. Mas agora, mais do que nunca. Vou evitar o que eu possa, passar a depender dos outros. Acho que vou fazer Auto-Escola, quero conhecer o trânsito. Acordar. Terminou. Assim conjecturando, a técnica, ordenou que me vestisse e saiu como se valsando. Era levinha. Lembrou-me: logo, logo precisaria da sala. - E agora, mãeee, einh? Sentada na cama, o jeito era dar um pulo até a cabine. Ufa! tentei de tudo que foi jeito e não conseguia erguer o avental. E torce e torce, sofri uma câimbra. As costelas se chocaram, amontoaram-se. Crak... o estômago me doeu. Falando de novo com meus botões: - não vou conseguir. AI!! UI!! caimbras uma atrás de outra. Eu morroooo. SOS! me tirem daqui! Alguém me ajude!| Simplesmente, saí do quartinho e comecei a andar pela sala, deitei-me na cama, eu precisava relaxar... e agora, como eu vou sair dessa? De um salto procurava uma tesoura, vou passar a tesoura nesse excomungado e indecente avental. Sentia frio. A sala estava gélida e desconfortável. Voltei. Para aquecer-me, serpenteei-me, URRR! De repente, não sei como, enfiei as mãos no pescoço e ele deslisou para cima, mansinho mansinho. A profissional, estava de volta. Arregalou os olhos muito azuis, com se visse um coqueiro apenas... e, disse-me apresse-se!!
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