Páginas

22 de ago. de 2011

Ela Beijou uma Flor e depois morreu

Ela Beijou uma Flor e depois morreu
Este evento se deu pelas 9h da manhã. Lá pela calçada. A rua com casários e edifícios bonitos. Ornada de árvores floridas de variegadas cores. No caminho alcancei D. Dalva. Cabeça abaixada, olhando o chão. Mãos cruzadas atrás. Bom dia D. Dalva. Passeando? A onde vai essa força? Com voz fraca, respondeu-me que ia à Igreja. Que Igreja? E apontou na direção da Olavo Bilac. É bem longe? É. Então vem comigo. Aqui pertinho, no mercado. Então vou. Não a achei bem. Queixava-se que não enxergava direito do olho esquerdo e o esfregava. Dentro do supermercado, ela se mostrava distante. Parada olhava às gôndolas. Olhar perdido, indiferente a tudo e a todos. Ofereci a ela alguma coisa. Respondeu-me não com um aperto de boca e um fraco balanço endurecido de faces. Morávamos no mesmo condomínio. Da minha janela do 3º andar a observava: nos invernos gélidos e verões escaldantes saía de manhãzinha a caminhar pelas as alamedas dos prédios. Parava a conversar com as pessoas que encontrava, umas lhe davam atenção, outras reclamavam: não gosto dessa mulher. A primeira vez que me parou contou toda a sua história. Era viúva. O marido a chamava de mocréia. Aquela estória toda enrolada com mistura de detalhes. Esses como em curvas de Interlagos, motores roncavam ora serenavam... Eu não entendia quem era a mocréia, se era eu ou era ela? Só ria e ria com a tal palavra. Com o tempo me confessou: as pessoas não me tratam bem. Que gostava muito de mim, que eu era delicada para com ela. Erguia a mão e amorosamente, arrumava meus cabelos com uma expressão enternecida. Eu deixava. Queria descobrir qual o mistério daquela alma tão solitária. Eu só a ouvia. Perguntava às outras, dali e daqui porque não gostavam dela? Umas não falavam nada, outras diziam que eu ainda iria ver. Passava o tempo e ela me encontrava na parada do ônibus. Sinceramente, eu me distraia com ela. Segurava um pouco a ansiedade. Até que um dia pediu-me que a levasse no meu apartamento. Minha preocupação era as escadas. Ela morava no térreo. Mas a levei. Sentou-se comodamente. Parecia aliviada. Sentia-se bem. Suspirava. Que ar bom tem aqui! Que paz! Na parada do ônibus ajudava quem precisava. Procurava ajudar todo o mundo. Ajudou uma senhora a desvencilhar-se de um vira-lata que lutava furioso para arrancar o seu podlezinho do colo. A fúria do VIRA meteu-me medo, mas a D. Dalva não. Ela xingava e com os pés dava chutes no vira-lata. Passado uns tempos, me perguntava quem eu era e porque ia até o hospital. Expliquei por várias vezes que era por causa da filha. Ela esquecia. E nas conversas trocava o marido pelo pai. Ambos falecidos. Ela me contava que já não sabia quando era um e quando era outro. Assim ela empilhava os dois e com uma mão na testa fazia esforço para se lembrar em qual dos dois falava. Eram sinais... Já não estava bem... Até poderia vir a morrer de repente ou cair na rua e sem identidade. Perguntava pelos seus parentes. Ela me falava de um neto que morava com ela, mas chegava tarde e de uma filha que não se preocupava. Parava os rapazes que passavam. Pegava suas mãos nas suas, chorava e recordava o filho que morrera num acidente. Dava dó de ver. Os rapazes tinham paciência. As mulheres lhe fugiam com ar insuportável. Quando moça devia ser bem bonitinha. Ela casou-se muito novinha, o marido não lhe resistiu, por isso a chamava de mocréia. Um dia, contou-me, e ria muito quando recordava, seu rosto é ficava bonito cheio de alegrias. Subia ao Tabor e, essa felicidade a transfigurava. Na volta do supermercado apanhou do chão uma flor que rolava com a força do vento. Delicadamente a beijou e a aconchegou contra o coração. No outro dia de manhãzinha, encontraram-na morta defronte ao seu apartamento. Muitas são as pessoas que vivem ao descaso assim como ela. Ninguém merece. Agora, no céu, ela é vizinha das almas santas. (1 Coríntios 13:13) Agora pois permanece a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor.”Se você julga as pessoas, não tem tempo de amá-las”. ( Madre Tereza)

Nenhum comentário: